terça-feira, 14 de junho de 2011

Contos de Altamir #20

Ano dez - Baia das Flores
Aron Kurayuki, o homem dos cem olhos... Lara conhecia a lenda de um Kurayuki cego que nunca perdeu uma luta, só não sabia que aquele era seu pai.
Ela tinha olhos castanhos e cabelo escuro, quase negro (como os dele foram um dia), que descia ondulando até o meio das costas. Estava sem todo aquele manto, e se sentia mais à vontade com sua roupa perfeitamente ajustada ao corpo, que privilegiava os movimentos. Um gibão de couro fervido por cima de uma camisa de seda fina e uma bermuda de linho negro que não chegava ao joelho, além dos calçados de couro.

Seus olhos brilhavam. Falavam sobre a mãe de Lara, Társia Akuana, que morreu pouco depois de seu nascimento e também era uma guerreira especialista em quase todos os tipos de armas. Habilidade que aprendeu com sua família. Tudo isso ela escutava do velho sentado no cais.
Era muito raro o casamento de duas pessoas de clãs diferentes em Varuna, e quase impossível entre os Kurayuki e os Akuana. Eram como os Montecchio e Capuleto, que rivalizavam em tudo, por isso ela não tinha sido aceita entre os Kurayuki, e assim ela teve que ser criada pelos tios. Sua mãe era a herdeira dos Akuana e seu pai era o que consideravam portador Habilidade Milenar, ou simplesmente Kama. Uma habilidade singular que era passada hereditariamente há séculos.

Contava-se que Aron perdeu a visão lutando ao lado de Kamael contra invasores na ilha do sul (numa época em que os Conselheiros eram os maiores guerreiros de Altamir). Criaturas de forma humanóide que emanavam um brilho cintilante pela cabeça e explodiam em um feixe de luz quando derrotadas (foi como cegaram dezenas no exercito de Sundra, fazendo-os se retirar da batalha). Por fim apenas Kamael e Aron retornaram ao campo para lutar. Acabando com a ameaça ambos voltaram feridos. O rei perdeu metade de uma orelha, teve no braço esquerdo um ferimento que quase o decepara na altura do bíceps e outro não tão profundo na perna esquerda; enquanto Aron, sem visão, o trazia carregado nas costas.
Naquele lugar a temperatura era mais que agradável, o sol nasceu exatamente no meio da abertura da baia, já havia amanhecido há algumas horas, mas o calor era brando, acompanhado da brisa fria matinal.

-Então, eu devo aprender a habilidade milenar?

-Na verdade não... Essa habilidade que você deseja lhe traria um grande poder, no entanto, você será uma grande rainha com o poder já tem dentro de si.

-Está me dizendo que não vai me ensinar? Então a habilidade dos Kurayuki vai morrer com você? É isso? – muitas dúvidas passavam pela sua cabeça, provavelmente ela fez as piores perguntas que tinha em mente.

-É como sua mãe, nunca consegue fazer as perguntas certas em momentos desfavoráveis – Ele sorriu fraternalmente pra ela e afagou seu cabelo – há coisas que ainda não entende, em tudo deve haver equilíbrio – sua feição ficou mais séria e virou seu rosto para o horizonte – para uma grande força deve existir outra equivalente e oposta.

Ela olhava para seu pai, confusa, um turbilhão de pensamentos lhe enchia a mente. Sem saber o que realmente deveria perguntar, se calou, e por alguns minutos houve silencio.

-Seu filho – suspirou – você terá um filho, e ele aprenderá – e novamente fez-se silencio. Como ele podia saber do que estava por vir? Pensou ela – deve partir agora...

-Vem comigo?

-Não posso, eu morreria antes de cumprir meu propósito. E por falar nisso. Esse amuleto é uma arma, diferente dos outros dois. Ela saberá quando deve ser usada, e você saberá como.
Enquanto seu pai falava, Lara pegou com a mão esquerda o amuleto e ele se deformou. Era uma pedra irregular arredondada, e uma parte dele foi se estreitando, e alongando. Um material que nunca tinha visto na vida lhe escorria pelas mãos, azul e translúcido como água do mar e firme como vidro. Seus olhos se arregalaram. O punho da arma ganhava forma, a esfera que segurava agora tinha se tornado a guarda retorcida, enquanto o punho descia a mais de vinte centímetros, escurecendo em dégradé até se tornar preto na ponta.

-Está rápido demais – disse Aron – você deve partir agora! Não, não chegaria a tempo – a incerteza e as controvérsias confundiam Lara. Afinal, o que ela deveria fazer? E porque seu pai falava sobre coisas do futuro? Ele estaria louco? – não estou louco, se é o que quer saber – ela gelou por dentro. Acabou de ler meus pensamentos, pensou ela – Posso ler seus pensamentos tão claramente quanto você pode me ver. E também posso ver o futuro – suspirou – muito pouco, e não tão claramente quanto outros – Lara estava sem fala – agora você precisa se apressar. Aquele que chama de Enric tem algo a lhe contar, se ainda estiver vivo. Essa arma só deveria ser despertada em ultima instancia – ouviu-se um estalo agudo, o cabo da arma estava pronto, e a esfera trincou na outra extremidade.
Ela pegou pelo punho com as duas mãos e uma lamina saiu lentamente. Não parou de crescer até um metro. E a defesa também cresceu, era antes pouco menor que sua mão fechada, agora tinha três vezes esse tamanho, sem nenhum arranhão, ou sinal de deformidade.
Tão grande quando a força de sua alma, pensou ele. Aron proferiu algumas palavras em uma língua desconhecida e fez pequenos gestos com a mão esquerda, e de repente ela se viu num lugar devastado pelo fogo.

Havia um homem no chão rodeado de um liquido espesso e vermelho. Não se mexia.

-Enric! – gritou ela.

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