segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Contos de Altamir #34

Ano dez – Grande Arena de Agni
Felipo estava deitado no chão, como se observasse as nuvens numa tarde ensolarada. Ao seu lado direito estava sua notável espada negra, ainda encravada no chão e imaculada depois de toda aquela procela. A esquerda, Enric estava sentado, largado como o outro, com uma das mãos atrás do corpo e uma perna flexionada. Ambos tinha um sorriso no rosto, que transparecia a sensação de dever cumprido. Os dois tinham ferimentos que os faziam sangrar em vários pontos.
-Há quanto tempo você não observa as nuvens? – disse Felipo – fazem muito mais sentido do que essas lutas por uma coroa, elas estão sempre lá, pra abrandar o sol, e quando estão muito carregadas se precipitam e regam a vegetação...
-Não quero ouvir suas desculpas de mal perdedor, atoladas em filosofias excêntricas – Enric sorriu debochado.
-Essa é a primeira vez que perco pra você se não me engano – o outro sorriu de volta. Olhou a espada ao seu lado parou de sorrir – quem diria... Agora é sua... Depois de tanto tempo, ela voltará as mãos de um Scarlet.
-Lipo... – Enric reavia o apelido de infância do outro – não posso aceitar, você sabe...
-Não invente agora – interrompeu o outro – regras são regras! Essa espada foi usada por gerações de Scarlet e Vuur, sempre passando para o vitorioso de um embate entre os dois de cada geração. Não é você quem vai mudar os costumes!
Enric sorriu.
-Vai precisar de ajuda? – Enric foi levantando-se segurando o braço esquerdo que estava deslocado.
-Mas é claro! – Gargalharam. Conversavam como amigos de infância que não se viam há muito tempo, e que mesmo assim se continham para não mostrar que estavam felizes – o que pensa que eu sou? Um monstro? – e gargalharam novamente – Aliás... Deixe-me aqui mais um pouco... Não quero passar vergonha sendo carregado em publico.
-Como se já não fosse vergonha suficiente estar ai estirado no chão – disse o outro já de pé.
-Vergonha é esse seu braço todo remendado! Acho que é você quem vai precisar de ajuda – o riso já fluía solto naquela conversa, enquanto a multidão tentava entender o que acontecia ali, sem ao menos ouvir a conversa – vamos... pegue a espada e saia daqui.
E foi isso que ele fez. Pegou a arma e saiu sem olhar pra traz.
-Enric! – disse o outro se levantando com esforço – foi bom te ver.
-Eu sei – Felipo sorriu ainda sentado. Com um ar de admiração pelo seu amigo.
Felipo foi uma das crianças que estava no primeiro dia de iniciação de Enric. Ele viu todo o estrago que o outro causou e sobreviveu à catástrofe pelo motivo mais obvio: Animais Sagrados não podem se matar com magia milenar.
Enric andou de cabeça baixa em direção a porta da arena. A alguns passos ouviu uma voz infantil saindo da antesala.
-Enric!
Ele olhou atentamente a sombra daquela pessoa, sem ainda poder reconhecê-la pela diferença de luminosidade.
-Foi incrível! – então ele a reconheceu pela voz
-Foi muito perigoso.
-Viu o que eu fiz?
-Não fez mais do que sua obrigação – disse ele olhando para aquela menina. Logo depois deu um sorriso afetivo, tentando amenizar sua fala ríspida.
Quando entrou pelas portas da antesala pôde enxergar claramente. Ninguém além dele podia vê-la agora, e ela parecia triste segurando uma flor roxa em uma de suas mãos. Estendeu-a para que ele pegasse ao passar ao seu lado.
-Muito obrigado, Majestade... – disse ele, acariciou o cabelo dela e saiu dali.