sábado, 28 de maio de 2011

Contos de Altamir #19

Ano dez - Vila da Baia das Flores

Lara chegou cedo e sem nenhum problema ao vilarejo do cais abandonado e percebeu que não era de todo “abandonado”. Ela imaginava chegar a um lugar entregue as moscas, com pequenos barcos virados, no entanto, se surpreendeu ao encontrar um pequeno vilarejo de pescadores. A Baia das Flores justificava seu nome pela quantidade de Iris que margeavam a praia entre curta faixa entre areia e arvores. Como se não fosse o bastante havia por traz delas, em alguns lugares, lisiantos branco e roxo, incrementado o ar bucólico do lugar. Era uma grande enseada em arco, quase se tornando um circulo em certo ponto. Cerca de trinta metros separavam as pontas da baia que pareciam ter sido feitas a mão por algum artista devaneador.

A bela visão do local não conseguiu tirar o foco de Lara, ela foi até o cais – tinha sete barcos contados por ela, quatro de pesca, um drakkar, um pequeno barco que parecia até infantil e um veleiro maior que parecia não usado há muito tempo amarrou seu cavalo no estribo perto da porta e entrou destemida.

Sentado na beira da plataforma de madeira havia um senhor, um pescador local com sua pequena vara de bambu. De costas podia-se ver a barba cinza, crespa e larga que descia entre o queixo e o peito. Sem nem olhar para traz ele falou:

-Então você foi a primeira ein... Muito bem, moça. Como esperado de uma Akuana – Lara parou de súbito, quem era aquele homem? O que ele sabia sobre ela? Como ele sabia seu nome?

Um silêncio invadiu o lugar, era como se a praia tivesse parado ao seu redor. Ela só conseguia ouvir a própria respiração. O homem permanecia lá, como uma ilusão muito bem feita, distorcendo sua noção do que era ou não era parte da realidade.

-Venha, sente-se aqui comigo, quero poder contar ao meu neto que conversei com a rainha de Varuna – ainda sem se virar para ela.

A voz do velho trazia a Lara um sentimento incomum, algo que ela acreditava ter sentido em algum momento de sua vida além do que poderia se lembrar. Nostalgia talvez, não sabia dizer. Era como se ela pudesse confiar nele, como se já o conhecesse há mais tempo que a si mesma. Era bom. Ela deixou-se ser invadida por esse sentimento doce e andou devagar até o lado do velho. Ele sorria e agora ela também. Sentou-se e olhou bem para os olhos dele que pareciam perdidos na imensidão do horizonte, muito além daquela enseada. Ela voltou a ouvir o som da praia e perceber a beleza de tudo o que estava ao seu redor. Foi invadida por uma felicidade incontida. Ele é cego, notou.

Tinha mais de cinqüenta anos. Seu rosto transparecia felicidade intensa, como se aquele momento fosse o melhor de sua longa vida. Os olhos dela se encheram de lagrimas. Além de estar no lugar mais lindo que já tinha visto, a alegria que o homem sentia era contagiante.

Ele tirou de um bolso interno de seu manto um amuleto azul cintilante e estendeu a mão vagarosamente. Ela pegou o amuleto e ele segurou sua mão. Seus olhos cinzentos como nuvem em dias de chuva miravam pouco acima do rosto dela.

-Minha menina...

-Pai...

Abraçaram-se em lagrimas...

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