terça-feira, 30 de agosto de 2011
Contos de Altamir #28
Enric pôs-se por baixo do braço de Agamenon e o ajudou a levantar enquanto a multidão aplaudia.
Akutenshi levantou-se de seu lugar no camarote junto aos conselheiros. Chegou-se a borda da frente e inclinou-se:
-Você não disse que o dragão ia lutar no segundo embate? - disse ele à menina que estava logo abaixo, na arquibancada - Não vi um dragão lutar. Nem ao menos vi fogo! - prosseguiu, num tom displicente, quase irônico.
A menina apenas olhou de volta. Um olhar sóbrio. E por alguns segundos pareceu um clima tenso, até que ela sorriu quase forçadamente e ele gargalhou.
-Tudo bem então... - disse ao terminar seu riso - Cavaleiro! - gritou para o centro da arena - Cavaleiro! - mas Enric não se virou. A multidão já parava de aplaudir a essa altura - Campeão! Diga seu nome e sua Linhagem!
Enric virou-se para ele com e toda multidão silenciou.
-Enric, senhor... Enric Scarlet, o quinto, filho de Apollyon o dragão amaldiçoado.
Era visível agora a inquietação da multidão. Akutenshi ergueu a mão direita retomando a palavra.
-Não conheço Scarlet com tamanha habilidade cavaleiro! E não acredito que exista um dragão que pode ser chamado pelo nome de um clã.
-Não existe mais, senhor. Eu sou o único que restou da minha linhagem sanguínea. O ultimo da primeira linha de sucessão dos Scarlt. Daqueles que descendem da Cidade dos Dragões – disse Enric excessiva seriedade.
-Majestade... É como deveria me chamar, cavaleiro - disse Akutenshi num tom quase zombeteiro, com um sorriso no rosto.
-Também não deveria me chamar de Cavaleiro, mas não parece se importar com isso - Enric virou-se e prosseguiu seu caminho até a porta da arena, ainda ajudando o Alvo.
Akutenshi sorriu virando-se de volta aos conselheiros.
-Peculiar... - disse ele antes de sentar-se, fitando o principal conselheiro.
-Acho que ele não gosta muito de Vossa Majestade - disse Levi, e logo depois se levantou e tomou a palavra, dirigindo-se a arena e à platéia - Como os dois lutadores do próximo embate já estão na arena, e acredito que nesse momento não haja nenhum empecilho para tal. Começaremos agora a próxima luta.
-Que problemático... - disse Romeu, dirigindo-se ao centro da arena.
Lara o seguiu. Ambos estavam prontos para a luta, e não queriam de modo algum, fazer menos que os que haviam lutado antes.
Ao chegar no centro da arena, estavam a cerca de cinco metros um do outro:
-Que comece a primeira semifinal! - exclamou Levi, e a multidão o acompanhou. Àquela altura, só queriam ver mais uma bela luta, não pareciam mais estar se importando quem seria o rei, afinal, já tinham assistido dois grandes embates e em um deles, assistiram a um dragão lutar. Já tinha sido até ali, o ápice da vida de muitos camponeses.
-Está pronta? - Perguntou Romeu, já com sua arma empunhada. Uma espada media em tamanho e de folha larga, uns 15 centímetros.
-Nasci pronta - Respondeu ela.
Ambos partiram para o ataque ao mesmo tempo. E houve um estrondo incrível no encontro das laminas.
-Nada mal - disse ele, mas não houve resposta.
Romeu era um homem esguio de movimentos suaves. Um rosto fino com olhar pesaroso. Seu cabelo amarrado atrás fazia um pequeno rabo de cavalo. Estava adornado de um manto azul claro que cobria seu tronco e braços até cotovelos, uma calça escura de linho e botas de couro simples.
Afastaram-se num pulo a dois metros pra trás, e novamente atacaram ao mesmo tempo, encontrando as espadas no meio do caminho. Lara pulou para traz novamente, mas Romeu manteve-se no mesmo lugar. Ela correu em arco na direção dele e desferiu um golpe na diagonal, que foi defendido com algum esforço. O contra-ataque foi imediato, com um golpe horizontal pelo lado oposto, igualmente defendido por ela.
O embate durou nesse nível de equilíbrio por pouco mais de cinco minutos até que Romeu resolveu falar:
-O que acha de acabarmos logo com isso? – disse ele – não gosto muito de lutas demoradas. São problemáticas.
-Se é assim que prefere – respondeu ela.
sexta-feira, 12 de agosto de 2011
Contos de Altamir #27
Ano dez – Grande Arena de Agni
Enric levantou-se devagar. Tinha apenas um arranhão nas costas, como se algo tivesse passado raspando. Agamenon Lumbre ficou pasmo com a situação.
-Como você... Minha espada... Você... Você! – não conseguia sequer completar uma frase.
Enric bateu as mãos nos joelhos, tirando um pouco da poeira. Catou o machado do chão e virou-se para Agamenon.
-Belo golpe... Mas você cometeu um erro. Encantou sua arma com fogo, se não o tivesse feito, se estivesse apenas encantada como antes, você poderia ter até me matado. E como já pode deduzir, eu sou imune ao fogo.
-Então você conhece mesmo a habilidade dos Lumbre, e deixou que eu o atingisse só pra me mostrar que é superior – O Alvo retomou a tranqüilidade.
-Não, na verdade eu não sei usar machado. E seu golpe me acertou enquanto eu ainda me acostumava com o peso da arma – Enric jogou a arma a poucos centímetros de sua mão, fazendo ela giram em torno pro eixo do cabo. Segurou com a mão esquerda e fez dois movimentos rápidos de corte no ar, nas duas diagonais – Está pronto?
Agamenon se concentrou em sua espada e ela voltou a brilhar ao invés de emanar fogo. Enric sumiu aos seus olhos, e sem que ele notasse já estava recebendo um golpe lateral vindo cortar-lhe pela esquerda. Num súbito reflexo, ele conseguiu colocar a espada de encontro ao machado. O que não impediu que ele se projetasse no ar com a força do golpe. Novamente cairia a metros de distancia, no entanto Enric o alcançou a dez primeiros metros fazendo-o parar com um chute nas costas.
Que velocidade! – pensou Lara, quando Agamenon caiu praticamente à frente de Enric contorcendo-se de dor – Além de incrivelmente forte é inacreditavelmente rápido!
Com um olhar desapontado, Enric chutou a barriga de Agamenon. Ele rolou por quase dois metros, já sem sua espada. Enric pegou a espada do chão e andou devagar até o outro.
-Acabe a luta! – disse um dos conselheiros do sul – ele vai matá-lo!
-Não... Espere... – respondeu Levi – Veremos até onde ele vai.
Enric chegou ao lado de Agamenon e parou olhando-o caído no chão. Ele estava olhando para cima, com o olhar perdido.
-Vamos... Acabe com isso! – disse o moribundo.
-Já acabei – sussurrou o outro – A luta acabou! – Gritou olhando para os conselheiros. Levantou a espada branca que estava em sua mão na direção do peito do homem deitado, e atirou-a com força para baixo.
A platéia levantou-se de súbito com o susto.
-Exibido... – disse Akutenshi desdenhoso.
A espada entrou no espaço exato entre o braço e o tronco de Agamenon Lumbre. A multidão ao perceber isso aplaudiu e ovacionou. Enric virou-se em direção a saída.
-Enric... – o Alvo se esforçava para levantar-se – espere... – pôs-se de joelhos lentamente. Pelo canto de sua boca descia um fio de sangue. Ele tossiu e disparou um liquido espesso pouco avermelhado. A multidão silenciou – Ao novo rei – fez uma pausa, com a respiração ofegante – eu ofereço minha lealdade.
Levi levantou-se de súbito no camarote onde estava. Sabia que juramento era aquele.
-Ele ainda não é rei! – gritou de lá. Alguns perceberam até um tom de fúria.
Agamenon colocou um pé ao lado da espada e com as duas mãos segurou o pomo. Ainda com o joelho esquerdo no chão recomeçou.
-Quando eu era mais novo, meu pai me levou a Kamael, ele me disse que eu seria muito poderoso. E disse que um dia eu lutaria com um homem muito mais poderoso que eu. Um homem imune ao meu poder. O filho de um dragão. O rei de outras épocas me disse que eu não deveria me curvar a ele, que eu apenas deveria me curvar apenas ao meu verdadeiro rei, e a ele prestar o juramento de lealdade do fogo – parou um instante. Enric se virou e olharam-se nos olho – Ao filho do dragão, ofereço minha lealdade, minha espada e meu poder. A sua vitória será a minha vitória e a sua derrota a minha desonra. Eu juro pelo fogo e pelo sangue – Pôs a mão direita do peito e abaixou a cabeça. Com uma pequena fumaça saindo de seu peito, bem onde colocou a mão, ele arqueou de dor.
Enric abaixou-se e ajudou o Alvo a se levantar. A multidão levantou-se e aplaudiu de pé. Levi sentou-se aturdido, aquele era o juramento de fogo, uma espécie de maldição que ligaria para sempre o homem que o fez ao seu suserano.
No peito de Agamenon Lumbre estava gravado um circulo místico, ainda borrado pelo sangue, mas claramente já podia ser visto um dragão desenhado dentro dele.