terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Contos de Altamir #14

Ano dez - Floresta dos Cinco selos (Floresta Amaldiçoada), arredores de Angi

Montado em seu garanhão preto como seu manto, Enric parecia bastante imponente, apesar de não ter muito porte físico como os Lumbre, ou ser tão alto quanto os Vuur. Tinha uma postura sólida e um olhar firme no horizonte, até o momento que Lara o alcançou. Seu rosto acobreado estava pálido, sem vida. Mas nem isso a impediu de despejar seu furor:

-Você estragou tudo! O que pensa que está fazendo?! Não temos mais chances!

-Acho que seria melhor você se concentrar na estrada, não temos tempo pra isso – Enric falava sem tirar os olhos da trilha, sua voz era dura, ríspida – Mesmo que eu chegasse duas horas mais tarde e estivesse montado num jumento, ainda assim garanto que chegaríamos primeiro. Mas não é esse o caso, e não é a ordem de chegada que me preocupa.

Lara agora o olhava diferente, o que Enric dizia era praticamente impossível, no entanto, havia algo nas palavras dele que lhe dava esperança.

Só após cinco minutos galopando ao seu lado ela percebeu. Enric segurava a rédea apenas com a mão direita, o braço esquerdo estava junto ao corpo, como se o escondesse.

-O que ouve com seu braço?

-Nada, não ligue pra isso – Enric respondeu prontamente – Como eu disse, temos que prestar atenção na estrada. A partir da próxima bifurcação estará mais estreita e teremos que nos dividir se quisermos chegar a tempo.

-Mas não podermos, é contra as regras...

-A regra diz que temos que chegar juntos, não que tempos que viajar junto. Além disso, é bem provável que os outros deixem armadilhas para nós que somos os últimos. Então eu devo ir direto ao primeiro amuleto, e você deverá ir pelo caminho oposto, direto para a baia das flores. É bem provável que você chegue antes de mim, então deve voltar pelo mesmo caminho, que é um terço do que eles terão que percorrer de volta, e então vai me encontrar aqui – Enric parou na bifurcação de que falava, e ao invés de ir para um dos lados, passou lentamente no meio, entre dois grandes carvalhos antigos, arvores incomuns naquela floresta. Conduziu o cavalo cerca de cinqüenta metros lentamente por entre as pequenas arvores e arbustos, até chegar num muro de pedra de dois metros e meio, repleto de arbustos, com uma estreita entrada pela direita. Desceu do cavalo e o puxou até dentro da caverna que se formava dentro da pedra.

-Como você conhece esse lugar?

-Essa é o lugar que eu fiquei quando me perdi na floresta, há treze anos – disse Enric. Lara entrava atrás dele, era uma moça destemida, mas seus grandes olhos castanhos estavam ainda maiores, tentavam se adaptar a escuridão. Já estava escurecendo, mas ela pôde ver que o lugar era espaçoso e limpo, havia uma mesa com bancos esculpidos na pedra do lado esquerdo, e no vão ao lado direito havia algo como uma cama igualmente esculpida no chão da caverna e coberta por palha seca. Era como uma pequena casa rústica.

-É melhor que façamos uma refeição agora, cavalgar a noite é perigoso, mas parar para comer na trilha é mais ainda.

-Então é verdade a história? – Lara estava constrangida, mas a curiosidade era maior que ela – Sempre achei que era só uma lenda – Enric sorriu para ela meio sem jeito e desviou o olhar para a direita logo em seguida – então, se isso é verdade o restante da história também é? Você conheceu um dragão? E você matou seu... – parou perplexa – desculpa, eu não queria...

-Tudo bem... Você não é a primeira a me julgar antes de ouvir a minha versão da história. Mas isso não importa – Tirou do seu cavalo uma sacola pesada e se sentou.

Lara sentou-se ao lado

-Então conte – olhou-o nos olhos – pelo que disse temos bastante tempo, e a futura rainha de Varuna não pode fazer maus julgamentos.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Contos de Altamir #13

Lembranças de Levi

Há alguns anos, um jovem desapareceu, se perdeu numa floresta densa, e acreditavam que ele poderia ter morrido. Não houve tristeza nem choro, apenas a mãe do garoto parecia triste. Dois ciclos de lua cheia depois o garoto retornou, o pai bêbado foi receber o filho nos portões da cidade. Mas não havia saudade, tinha fúria nos olhos, gritava, e brandia seu machado, amaldiçoando o garoto que trazia no rosto uma cicatriz feita pelo fogo. “não é meu filho! O que faz aqui? Volte para o fogo de onde nasceu! Por todos os deuses antigos, maldito seja seu nome!” era o que ele gritava, quando o fogo varreu sua existência, de alguns que o seguia e deixando marcas em outros que por ali passavam, assim como deixou em mim. Uma ferida quase mortal, o fogo me atingiu as costas e metade do lado esquerdo. Não era fogo comum, era fogo imortal, amaldiçoado. Todos tocados por ele estão destinados a morrer pelo fogo. Pelo fogo amaldiçoado de Apollyon.

E é assim que contam a história...

Ano dez - Cidade de Agni e arredores

A Floresta dos Cinco Selos fazia fronteira com o portão sul da cidade de Agni, um local pouco habitado e ainda mais evitado depois do incidente com os Scarlet. A densa vegetação, de arvores frondosas, se estendia até o sul da ilha central, passando pela baia das flores e chegando aos pés das montanhas do sul, no extremo oeste. No meio da floresta, há muito tempo, havia uma aldeia de curandeiros, ou Mestres dos Selos, como preferiam ser chamados. As histórias dizem que os primeiros Mestres podiam remover todos os males de uma pessoa e selá-los nas arvores, mas os últimos que restaram, no fim da era de Aidlan, podiam apenas remover doenças e feridas superficiais. Apesar de terem desaparecido, a aldeia dos Mestres dos Selos parecia sempre habitada, os fornos tinham lenha, a palha das tendas sempre estava intacta, e alguns caçadores que se aventuravam por ali e acabavam passando a noite na aldeia contavam que o lugar ainda tem vida.

-Eu posso acabar com isso hoje Velho, que os deuses antigos nos ajudem– A multidão dentro da cidade esperava o inicio da segunda etapa, alguns deles sabiam da lenda do dragão da floresta, poucos sabiam que a lenda dizia que o dragão só se alimentava na lua cheia e apenas Enric acreditava realmente que isso era verdade. Dos muros de Agni até a floresta havia uma distancia quase uniforme de cem metros, e a trilha que se formava a partir do grande portão de quatro metros de largura ia se estreitando até tocar a floresta, onde era tão estreita que só passavam duas pessoas em montarias. A multidão conversava baixo, enquanto os dez competidores se preparavam. Minutos antes os Conselheiros anunciaram que Enric participaria da competição no lugar de Dagath, fazendo dupla com Lara, as reclamações foram calorosas, tendo em vista que esse era o segundo Lumbre desclassificado, entretanto a ordem foi restabelecida pelo líder dos conselheiros como era de costume.

A segunda etapa começava nos portões de Agni, cada dupla teria um pequeno amuleto e teriam que pegar mais dois na floresta, um na aldeia dos Mestres dos Selos e um no porto abandonado na baia das flores. Havia apenas três amuletos no porto e três na aldeia, então os que chegassem primeiro com os três amuletos estariam na próxima etapa, que até então era desconhecida. Poderiam levar a quantidade de suprimento que quisessem, e apenas dois cavalos. Era um trajeto que duraria a noite e todo o dia seguinte, se seguissem viajem sem parar num galope apressado, chegando ao anoitecer se nada desse errado.

Os participantes se puseram lado a lado a poucos metros do portão. Enquanto as outras quatro duplas conversavam e planejavam suas estratégias, Lara se preocupava, além de fazer dupla com alguém que foi colocado na competição de ultima hora, ele não estava na linha de largada, e segundo as regras da prova, os competidores só poderiam sair e chegar juntos. Quando foi dada a largada ela desceu de seu corcel castanho-escuro enquanto os outros partiam em disparada. Foram longos os vinte minutos que teve que esperar por Enric, e antes que ela conseguisse despejar toda sua fúria, ele passou por ela sem nem mesmo parar seu galope. Ela subiu na sua montaria e o seguiu, com toda a fúria que uma pessoa pode emanar em uma competição

domingo, 2 de janeiro de 2011

Contos de Altamir #12


Ano dez - Cidade de Agni

Como era esperado, a manhã foi longa e cansativa. Poderosos mestres de clãs mostrando suas habilidades, jovens, se esforçando ao máximo para igualar os mais experientes, e também havia um ou outro desastrado que acabava estragando sua apresentação aos conselheiros. Entre os desastrados, Dagath foi o que mais chamou atenção, com sua armadura vermelha escarlate polida exageradamente e sua capa da mesma cor com o símbolo de seu clã adornado em fio de ouro:

-Dagath Lumbre, filho de Dareagon Lumbre, e herdeiro...

Enquanto falava ergueu sua mão esquerda envolta por fogo, símbolo do poder dos Lumbre, e tocou desastrosamente a própria capa, fazendo-a em chamas em segundos. O rapaz correu desesperado ao som dos risos ao redor com a capa envolta em fogo. Rolou no chão e ali ficou de bruços por alguns instantes quando o fogo se extinguiu, com a vergonha de uma capa agora negra e fumegante a cobrir-lhe a cabeça, e sua bela armadura polida impregnada de poeira.

Passou-se o meio dia e metade da tarde. Todos tiveram sua vez, alguns arrancando suspiros da multidão que assistia e outros mal conseguiam um bocejo. Entre os dez finais haviam poucas surpresas. Quase todos os que foram antecipadamente inscritos pelos Conselheiros estavam entre os classificados, Agamenon Lumbre e Felipo Vuur, de Agni, Romeu Kurayuki, Dante e Baros Vannsart de Varuna. As únicas surpresas nessa etapa foram a desclassificação de Tirith, por ter saído antes do fim das apresentações, o fato de Dagath o desastrado ter passado e a surpreendente classificação de Lara Akuana, a única mulher foi considerada a melhor do dia, aplaudida tanto pelos de Agni quanto pelos de Varuna.

Ao fim da primeira etapa os Conselheiros chamaram as duplas, Lara faria dupla com Dagath Lumbre; Felipo Vuur o melhor de Agni, com Romeu kurayuki, o preguiçoso; Dante Vannsart com Agamenon Lumbre; Antoni Vuur, o irmão mais novo de Felipo, com Baros Vannsart; e os pouco conhecidos de clãs menores Sunny Shine de Agni com Julian Marin de Varuna.

Enquanto a multidão se conduzia ao local da segunda etapa, a Floresta dos Cinco Selos (um lugar considerado amaldiçoado, acreditavam que era habitado por criaturas sombrias com sede de sangue), os Conselheiros ficaram para traz conversando entre si, em desacordo, enquanto Levi estava numa postura irredutível, os outros dois pareciam tentar de tudo para convencê-lo. Até que um homem de manto escuro e capuz interrompeu a conversa:

-Levi - Sua voz era firme e aflita. - Preciso lhe falar – Enric o olhava com uma seriedade singular.

Puxou-o quase contra sua vontade até uma distancia suficiente pra que os outros Conselheiros não ouvissem.

-Seu velho repugnante! – disse Enric – Quem você quer matar?! Sabe o que vai acontecer se levá-los à floresta dos cinco selos em plena lua cheia!

-Isso não passa de lenda, e um senhor de minha idade não acredita mais em lendas – a segurança que um conselheiro passava com o impor de sua voz era capaz de persuadir toda uma multidão, mas não àquele homem.

-Você não pode por essas vidas em risco! – Enric apontando o dedo a Levi.

-Risco? Que risco? Você é o único risco que eu vejo aqui! Risco para todos ao seu redor! Temi que hoje você queimasse a todos como fez no dia em que retornou. E o que você fez? Nada, nem sequer mostrou que tipo de aberração você é!

Enric baixou a cabeça em lamento.

-Sabe que não foi minha culpa – agora falava suavemente – meu pai, ele... – parou, baixou seu capuz e olhou fixamente para o Conselheiro – Se quer correr o risco, pelo menos, deixe que eu vá. Deixe que eu acabe com isso.

-Você não pode. Não se classificou. E mesmo que eu acreditasse na Maldição da floresta, não lhe enviaria para lá – e Enric o interrompeu

-Sim, enviaria, sabe que sou o único que pode lhe ajudar. Mas tem medo, medo daquele que o nome não posso pronunciar. Tem medo de que eu não consiga, e ele venha atrás de você – Levi permanecia calado, com a mão esquerda tocou as costas enquanto Enric prosseguiu – Eu te devo isso, devo a Agni e devo isso ao meu pai. Deixe que eu concerte as coisas, essa é a hora.

Levi o olhou profundamente nos olhos com a mão ainda nas costas:
-Apollyon, o dragão amaldiçoado...