domingo, 20 de fevereiro de 2011

Contos de Altamir #16

Ano dez - Floresta dos Cinco selos (Floresta Amaldiçoada), arredores de Angi

-Não faz sentido, ele poderia ter te matado assim que soube, porque ele esperou tanto...?

-Menos de um ano – interrompeu Enric – foi o tempo que ele levou para acreditar. Foi a pior época de minha vida...

-Não entendo... Tem algo estranho... Você acabou de dizer que foi há trese anos, soube que você tem apenas vinte e seis anos – Enric apenas concordava com pequenos gestos. Desde o momento que se sentou, segurava com a mão direita seu braço esquerdo, uma região pouco acima do cotovelo – Segundo os costumes de Altamir, as crianças só podem ser iniciadas em magia aos quinze anos e em caça aos dezessete...

-Para toda regra há exceções – Enric interrompe novamente – o próprio Altamir Gilgamesh é prova disso. As lendas dizem que ele nasceu repleto por uma áurea de magia, e outras dizem que ele cresceu ensinando os mestres dos clãs. Não que eu esteja querendo me comparar ao grande Rei Centúria, mas, eu seria ingressado em magia com doze anos e em caça aos treze, de acordo com a permissão dos conselheiros. Enquanto eu crescia, meu desenvolvimento era diferente das outras crianças, Então fui levado a Kamael e seus conselheiros.

Enric fez uma longa pausa, tirou um grande pedaço de pão e um gole do vinho que trazia consigo. Lara começava a pensar que apesar de estarem perdendo muito tempo aquela história valia à pena.

-Então... Você é portador de Magia Milenar?! – Era costume Lara tirar suas próprias conclusões, e na maioria das vezes ela tinha razão.

-Talvez... – Enric falava enquanto mastigava, sua boca não estava tão cheia, mesmo assim, incomodava a moça – Acho que já falei demais sobre mim. O que tem a dizer você, Lara Akuana, se é que esse é seu nome...

-Lara... Apenas Lara... Fui criada pelos Akuana a quem chamava de tios. Nunca soube nada sobre meus pais verdadeiros.

Um silêncio cortante tomou conta do recinto. Os dois comiam se olhando o mínimo possível. Conheciam-se há tão pouco tempo, mas já sabiam grandes segredos um do outro.

Ao terminar de comer Lara já arrumava suas coisas de volta no cavalo enquanto Enric permanecia sentado ainda segurando seu braço esquerdo.

-Vamos, não podemos perder mais tempo – disse ela.

-Sim, você está certa – levantou-se dolorosamente.

-O que há com seu braço?

-Não é nada... Posso viver com isso...

-Deixe-me ver – Lara puxou o braço pela manga do manto, que descia até a mão, uma linha grossa diferente do que via em Varuna. Notou primeiro que era maior que a manga direita, só depois percebeu o urro de dor.

Arregaçou a manga com uma mínima interferência dele. Ele parecia sem forças, suando a ponto de umedecer todo o braço. Pouco acima do cotovelo, Enric tinha uma marca vermelha incandescente. Ela se espantou ao ver, parecia queimar-lhe o braço.

-Que diabos é isso?! – soltou o braço, mas não se distanciou

-Já disse, não é nada, posso continuar a viajem assim, sem ir pela trilha principal ainda posso chegar à aldeia antes dos outros.

-Mas você não está em condições, mal consegue se levantar!

-Então me ajude a montar! – Enric teria que esquecer sua honra, aceitar a ajuda de uma mulher para montar em seu próprio cavalo. Ela o olhava assustada – Você não quer ser rainha?! Esse é o preço! – ofegante e suando exageradamente, ele não parecia em plena sanidade, talvez, foi esse o motivo dela o ter ajudado a subir no cavalo.

-Me espere aqui quando chegar, não saia dessa caverna por nada! – saiu em disparada sem maiores explicações.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Contos de Altamir #15

Ano dez - Floresta dos Cinco selos (Floresta Amaldiçoada), arredores de Angi

-É muito confiante para uma Akuana. Em Agni dizem que seu clã cresce em bibliotecas.

Enric sorria debochado, mas seu olhar passeava pelas paredes de pedra, como se esquivando do olhar de Lara.

-Não nasci Akuana – Agora Lara desviava o olhar enquanto Enric a olhava perplexo – Agora que contei meu segredo é a sua vez, me conte o que aconteceu aqui há alguns anos – os olhares se encontraram e Enric suspirou ligeiro.

-Há trese anos – Mesmo não entendendo o que ela quis dizer, ele se sentiu obrigado a falar sobre si – Fui caçar com meu pai e mais dois homens de nosso clã, saímos há noite por que é a hora que os predadores caçam. Era lua cheia como hoje e fazia muito frio – virou-se de costas para Lara ainda sentado e passou a mão direita na cicatriz de sua orelha deformada – Me lembro do calor por um momento, e no seguinte instante estava sozinho. Sozinho no frio. Acordei no dia seguinte com uma asa de dragão me cobrindo. Era Apollyon.

-Já ouvi Histórias de um dragão que foi amaldiçoado. “Apollyon o dragão condenado em forma humana” – Lara recitava o trecho que um canto.

-Dizem que ele era um poderoso dragão que podia tomar forma humana, e que numa noite ele violentou sete mulheres, e fugiu para a floresta do sul. Contam que Kamael foi chamado para julgar o caso, mandou matar as sete mulheres para que o dragão não tivesse filhos e condenou Apollyon a uma maldição. Viver em forma humana por toda sua imortalidade, exceto ás luas cheia, quando poderia se alimentar, na floresta do sul, que logo foi chamada também de Floresta Amaldiçoada – Enric praguejou algo inaudível e se levantou.

-É essa a história verdadeira? – Lara apenas o acompanhava com os olhos.

-Apollyon tinha sete esposas, cada uma de um dos principais Clãs de Agni na época, elas queriam em seu ventre um filho do dragão de fogo. Todos sabem o poder do sangue de um dragão. Levi não gostava disso, tinha medo do que poderia acontecer. E na noite que Apollyon se deitou com a primeira esposa Levi foi atrás dele, e em nome do rei o expulsou da cidade, sem o consentimento de Kamael, e logo depois contou a história distorcida ao rei, que mandou matar as sete. O próprio Levi foi encarregado de selar a maldição em Apollyon.

-Então Apollyon cuidou de você em forma de dragão na noite em que se alimentava... – A voz a moça soava tranquila – é uma boa história...

Enric a interrompeu:

-Apollyon me salvou de meu pai, ele iria me matar naquela noite. Ele sabia que não era meu verdadeiro pai. O filho de um poderoso mestre de clã poderia ter bastardos, mas sua mulher deveria ser apenas dele.

-Ele tentou te matar! Como ainda o chama de pai? E como ele descobriu que não era seu pai?!

-Em Agni, quase todos os clãs tem em seu brasão o símbolo do fogo, o que diferencia é a intensidade e a cor. O fogo dos Scarlet é intenso, dourado como o sol, e pode ser encantado em armas, os Lumbre usam fogo branco, brando como a brisa e cortante como uma lamina, os Vuur usam um fogo escuro, que desconheço as propriedades... – Ele sentou-se novamente ao lado de Lara – Na idade que se inicia na magia de fogo, os mais velhos encantam uma magia que facilita a manipulação, acredito que em Varuna também seja assim – Lara concordou com a cabeça – Esse foi um grande erro. Naquela tarde eu fiquei inconsciente, e quando acordei vi os cinco corpos carbonizados ao meu redor. Meu pai olhava de longe assombrado, nunca tinha visto nada igual. O fogo que ainda queimava ao redor era vermelho como sangue e altamente destrutivo. Não podia de forma alguma ser comparado à magia nobre dos Scarlet, nem mesmo a dos antigos heróis de quem descendem os beberrões que hoje vivem em Agni.

-Mas ele tentou te matar! – exclamou ela.

-Ele cuidou de mim, me ensinou a viver e eu o matei.